A empresa pública Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) está cobrando pela primeira vez ressarcimento de duas construtoras por terem recebido valores com indícios de superfaturamento apontados pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Ao todo, R$ 7,5 milhões terão que ser devolvidos à estatal pelas empreiteiras que executaram obras no estado do Maranhão irrigadas com emendas parlamentares.
As cobranças feitas pela Codevasf são resultado de um pente-fino realizado pelo TCU em contratos firmados pela estatal com construtoras em diferentes municípios do Maranhão. A auditoria constatou que havia indícios de irregularidades na execução de obras de pavimentação e em serviços que não foram prestados. “Foi apontado superfaturamento por inexecução de serviços”, aponta o relatório da Corte de contas, que determinou a cobrança dos supostos valores indevidos.
A Codevasf já acionou a Justiça para cobrar a devolução dos recursos em ao menos três contratos. Em outros 11 casos, as empreiteiras tentam negociar com a estatal uma redução dos valores a serem devolvidos. As obras foram realizadas pelas firmas Engefort e JT Construtora, a partir de acordos assinados com a empresa pública em 2019.
Procurada, a Engefort informou que trabalha com “honestidade” e seguindo os “pressupostos legais” e que “todas as respostas necessárias serão apresentadas ao órgão responsável”. Já a JT Construtora disse que “todas as informações sobre o ressarcimento estão nos processos administrativos relativos aos contratos”.
A Codevasf afirmou que já acionou a Justiça com relação a três contratos e que aguarda informações do TCU para fazer as próximas cobranças, já que há divergências entre a estatal e as construtoras a respeito dos valores devidos. Já o TCU disse em nota que a constatação do superfaturamento pode ter outras implicações: “Mesmo se houver o ressarcimento integral do superfaturamento apontado, o TCU pode decidir aplicar sanções aos agentes responsáveis, que podem incluir, além do ressarcimento, penalidades como multa e declaração de inidoneidade das empresas”.
Emendas parlamentares
Os valores apontados como indevidos pelo TCU são oriundos de emendas parlamentares. Os recursos são indicados por membros do Congresso por meio da Codevasf para a execução de obras pelas empreiteiras em redutos eleitorais. Foi o que ocorreu em 2019, quando o então deputado Juscelino Filho (União Brasil-MA), hoje ministro das Comunicações, destinou verba para cinco cidades do seu estado.
Uma delas foi o município de Vitorino Freire (MA), governado pela prefeita Luanna Rezende, irmã de Juscelino Filho. Segundo o TCU, há indícios de que R$ 698.000 foram superfaturados em contratos firmados pela Codevasf do Maranhão com uma empreiteira para execução de obras como construção de sarjeta para escoamento da água de vias públicas. Ao todo, R$ 3 milhões de emendas do ministro que irrigaram empreendimentos em seu estado terão de ser devolvidos por duas construtoras.
Procurado, Juscelino afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que todas as indicações foram feitas de “forma transparente e legítima” e que, “se houve qualquer irregularidade, os responsáveis devem ser identificados e responsabilizados”. A nota acrescenta que as obras são de responsabilidade da Codevasf: “Na qualidade de parlamentar, Juscelino apenas destinou os recursos, sendo que a licitação, realização e fiscalização não compete ao mesmo”.
Procurada, a prefeitura de Vitorino Freire (MA) disse que “as obras mencionadas foram de responsabilidade da Codevasf, a quem cabe prestar os devidos esclarecimentos”. “O município informa que a destinação dos recursos foi feita ao referido órgão, que, por sua vez, procedeu as contratações, execução e fiscalização das obras”, afirma, em nota.
Na semana passada, o ministro foi indiciado pela Polícia Federal em um inquérito que investiga suspeitas de desvio de emendas parlamentares para obras de pavimentação em Vitorino Freire. Ele negou irregularidades nesse caso, disse que o indiciamento foi uma “ação política” e que “apenas indicou emendas parlamentares para custear obras”.
Além dos contratos envolvendo recursos de Juscelino, a Codevasf cobra ressarcimento de valores de outras obras bancadas com indicações de dois políticos do Maranhão. Segundo a auditoria do TCU, R$ 3,39 milhões de emendas parlamentares destinadas pelo ex-senador Roberto Rocha para asfaltamento estão sob suspeita, enquanto R$ 491.000 direcionadas pelo deputado Hildo Rocha (MDB-MA) teriam sido executadas de forma irregular em pavimentação de vias públicas. Tanto um como o outro negam qualquer irregularidade.
Procurado, Hildo Rocha responsabilizou a Codevasf e defendeu punição aos responsáveis pelas supostas irregularidades:
— Mandei os recursos, mas nem conheço as empresas. Se a Codevasf não cumpriu a tabela de preços, quem fez isso tem que responder por improbidade e peculato. A aplicação da lei tem que ser rígida com relação a quem foi responsável por isso.
O ex-senador, por sua vez, também afirmou que apenas fez as indicações e que a responsabilidade é da Codevasf:
— Eu coloquei esses recursos. A execução é do Poder Executivo. Agora, se tem sobrepreço, eu desconheço completamente. (O Globo)